Gabriel Torres

Eu publiquei 18 livros pela Axcel Books entre 1996 e 2002. A partir de 1997, eles começaram a atrasar o pagamento de royalties (“direitos autorais”). Quando fui conversar a respeito, a resposta do “diretor-presidente” da empresa, Ricardo Reinprecht, foi a de que seu não estivesse satisfeito que eu poderia procurar outra editora. Grafo “diretor-presidente” entre aspas porque este cargo só existe em empresas do tipo sociedade anônima; empresas do tipo limitada o cargo máximo é gerente ou sócio-gerente. Isso já mostra a mania de grandeza da figura.

Bem, como eu não queria parar de publicar livros, aceitei calado a situação. O problema é que foi criando-se um efeito “bola de neve”. Por exemplo, se os royalties apurados em um determinado mês era de R$ 10.000, me pagavam R$ 5.000 e aí o saldo restante (R$ 5.000) acumulava para o próximo mês juntamente com os royalties daquele mês (mais R$ 10.000, totalizando R$ 15.000). E assim sucessivamente. Sem contar a suspeita da prestação de contas errada (isto é, a editora reportando que vendeu uma quantidade de livros inferior à que realmente havia vendido), hipótese levantada pelo ex-autor da Axcel, André Valle.

Clarificação: várias pessoas perguntaram porque eu não entrei na justiça no momento em que eles começaram a atrasar os pagamentos. O contrato inicial me prendia na editora por dois anos. Conhecendo o naipe dos sócios da editora, sabia que a partir do momento em que entrasse na justiça, eles parariam de me pagar (mas não parariam de vender os livros) e eu não poderia publicar novos livros por outra editora por dois anos. Como estava comprando um apartamento financiado, eu precisava dos pagamentos, mesmo atrasados e com valores menores do que os devidos, para pagar as prestações. O meu salário na época era insuficiente para pagar as prestações. Portanto era aceitar a situação ou perder o apartamento.

O detalhe é que, enquanto atrasavam os pagamentos dos royalties, o casal Reinprecht comprou um apartamento de frente para a praia da Barra da Tijuca (Av. Sernambetiba) – ainda ficam tirando onda do sofisticado sistema de iluminação computadorizado que mandaram instalar – e uma Mistubishi Pajero (o outro sócio da Axcel na época, Romero Portella, também comprou uma, influenciada pelo casal). Realmente revoltante, pois estava claro que eles estavam comprando tudo isso com o MEU dinheiro!

O problema é que na época eu tinha muitas obrigações (estava comprando um apartamento financiado) e dependia dos royalties, mesmo menores do que deveriam ser, para poder pagar as contas. E vivia apertado, quando na verdade deveria estar bem “folgado” e tranquilo de grana. Eu sabia, pelo histórico do que já havia ocorrido com outros autores, que se eu fosse tomar alguma ação mais enérgica em relação à esta situação (notificação judicial e consequente processo), seria um rompimento total, isto é, eles iriam parar de vez de me pagar; este era o perfil da empresa.

Uma “solução” que eles me deram foi o pagamento de parte da dívida com livros, para eu vendê-los e recuperar a grana “presa”. Eu cheguei a fazer isso e vendi (e empacotei), pessoalmente, vários livros Hardware Curso Completo 3ª edição entre 1998 e 1999 através do meu site Clube do Hardware, mas depois de um tempo fiquei pensando se Paulo Coelho, Jorge Amado e outros autores best-sellers precisaram alguma vez na vida vender seus próprios livros porque a editora não estava os pagando em dia. Não só isso, eu sou um cara “certinho” e o que eu estava fazendo estava na área “cinza” da lei; afinal de contas eu estava vendendo os livros como pessoa física pela Internet, sem ter uma empresa (livraria). Após um tempo decidi parar com isso.

Outro detalhe foi que o “diretor-presidente” da Axcel Books me fez uma proposta “de boca” que eu me ferrei, se eu alterasse uma cláusula dos meus contratos que dizia que eles tinham a opção para publicação dos meus futuros livros de dois anos para quatro anos eles me dariam uma BMW 325i Top zero quilômetro. Assinei e estou esperando a BMW até hoje… Deveria ter ao menos posto isso no papel; hoje sei que eles não cumpririam de qualquer forma, mas pelo menos teria o papel de recordação.

Clarificação: Algumas pessoas me perguntaram porque eu fiz essa burrice. Bem, olhando para trás a burrice está óbvia, mas no calor da emoção e com o papinho que vende gelo para esquimó foi difícil recusar, fora ter 24 anos e não ter a experiência de vida que hoje eu tenho. São, justamente, as situações como esta que nos dão experiência.

No final de 2001, eu comecei a falar com eles mais seriamente em uma posição para a resolução da dívida, incluindo um levantamento total dos valores devidos. Eles também falaram que “faziam questão” de pagarem por uma auditoria externa (que nunca aconteceu). Durante o ano de 2002 (sim, demorou um ano para conseguirem colocar em ordem a zona que era a papelada da contabilidade deles; eles eram tão desorganizados que este valor nunca existia prontamente no sistema de contabilidade deles) eles levantaram o quanto eles realmente estavam me devendo. O valor da dívida totalizou cerca de R$ 160.000, de acordo com as contas deles.

Aqui vale lembrar que meu contrato (a propósito, totalmente ilegal; explico em detalhes aqui) estabelecia que meus royalties eram de 10% sobre as vendas dos livros, ou seja, 10% do faturamento que a editora tinha com os meus livros. Dessa forma, se eles estavam me devendo R$ 160.000 (pelas contas deles), significa que esta dívida vinha de um faturamento de R$ 1,6 milhão com os meus livros. Como você pode perceber, os caras faturaram muito em cima de mim e, mesmo assim, se recusavam a pagar meus royalties corretamente.

Clarificação: Várias pessoas me perguntaram porque eu assinei um contrato ilegal. Há de se colocar as coisas em perspectiva. Após escrever o meu primeiro livro, procurei as principais editoras que publicavam livros de informática no Brasil (Makron, Campus, Berkeley e Axcel) sendo que todas elas recusaram a publicação do meu livro, menos a Axcel. Na época, com 21 anos e sem a experiência de vida necessária e querendo publicar meu livro após três recusas, assinei o contrato julgando que o que o “diretor-presidente” da Axcel estava me falando era o correto. O “diretor-presidente” da Axcel era um cara que passava confiança e experiência (como todo bom trambiqueiro) e confiei. Me ferrei. Lição aprendida: hoje não assino nada sem consultar primeiro a minha advogada.

Aí, em dezembro de 2002, eles vieram com mais uma proposta “caracu” (eles obviamente entrando com a “cara” e eu entrando com o restante): para me pagarem esta dívida eu deveria escrever mais dois livros (Segurança de Redes Curso Completo e um livro sobre Upgrade de computadores); assim eles levantariam o dinheiro e poderiam ter condições de me pagar.

Voltei para a casa e fiquei pensando nessa loucura. Quer dizer, então, que os caras torraram toda a minha grana e para me pagar eu preciso gerar dinheiro para mim mesmo? Não faz o menor sentido.

No início de 2003, vi que dava para me sustentar somente com a receita do meu site Clube do Hardware e resolvi mandar bronca. Contratei uma advogada especializada em direitos autorais (que de cara falou que o contrato era totalmente ilegal), que enviou uma notificação extrajudicial à Axcel Books. Uma notificação é o primeiro passo necessário para iniciar um processo e nada mais é do que um aviso formal de “chamar para a conversa”. Em resumo: “olha, vocês têm uma dívida com o Gabriel Torres, damos um prazo de X dias para entrarem em contato ou entraremos com uma ação judicial”.

Passou o tal prazo e, para nossa surpresa, a Axcel Books entrou com um processo contra mim. Veja a loucura! Eles afirmavam que ficaram surpresos com a nossa notificação e que eles eram “bons pagadores”, que eu estava “agindo de má fé” (textos de rolar de rir como esses foram uma constante no processo), e que estavam pedindo ao juiz a me obrigar a entregar os livros que eu havia prometido escrever e atualizar todos os meus livros já publicados. Loucura total. Primeiro porque eu não havia assinado contrato para escrever o tal livro de upgrade de computadores; segundo o contrato para o livro de segurança de redes eu já havia assinado, mas no próprio contrato dizia que se eu não entregasse o livro em 60 dias o contrato estava, automaticamente, cancelado – e já havia passado mais do que 60 dias da assinatura do contrato! Sem contar que o livro seria em co-autoria com um amigo meu, eu teria uma participação menor no livro e este meu amigo nunca foi citado ou processado! E, para fim de conversa, não existe nenhuma lei que me obrigue a atualizar os meus próprios livros! No contrato deles, inclusive, havia uma cláusula (ilegal) que dizia que se eu me recusasse a atualizar os livros eles poderiam contratar um co-autor para fazê-lo! Ou seja, só mostra a loucura dos caras!

Leia aqui uma análise detalhada do contrato da Axcel Books.

Daí entramos com um pedido de reconvenção, isto é, dizendo que a história não é nada daquela contada e quem está errado é ele e não eu. O juiz, obviamente, aceitou o nosso pedido e mandamos ver. Pedimos uma perícia para apurar os valores devidos, o juiz aceitou e elegeu um perito contábil com ordem judicial para entrar na Axcel Books e fazer uma auditoria em toda a contabilidade, contagem de estoque, livros, notas fiscais de gráficas, enfim, toda a documentação disponível para apurar os valores devidos e para ver se eles me reportaram a quantidade de livros que havia realmente sido vendida. O que a Axcel Books fez? Impediu a entrada do perito contábil na empresa em todas as vezes que o perito tentou entrar, desrespeitando ordem judicial!

Clarificação: Algumas pessoas perguntaram porque o perito não chamou a polícia para forçar a sua entrada na sede da editora. Aqui cabe uma explicação. Eu ou os meus advogados não tivemos nenhum contato físico com o perito. A decisão de chamar força policial é exclusiva do perito; não tivemos qualquer participação neste processo. O perito preferiu, em vez de chamar força policial, perguntar ao juiz o que fazer neste caso.

O juizo, então, determinou que, como a Axcel Books não estava colaborando, a perícia seria feita da seguinte forma. Pegou-se os relatórios de pagamento que eu tinha (outro detalhe, a Axcel não entregava relatórios de pagamento periódicos, como constava em contrato) e fez-se uma média de quanto eu ganhava, por mês, por livro. Pegou-se essas médias e multiplicou-se pelo número de meses pelos quais a Axcel não prestou contas, isto é, não apresentou os relatórios de valores devidos, mais correção monetária. Na época da apuração dos valores, o perito chegou ao cálculo de que a Axcel Books me devia cerca de R$ 1,3 milhão!  Hoje (2021), com juros e correção monetária, este valor está em torno de R$ 10 milhões! A Axcel não recorreu. O processo entrou em fase de execução e tudo o que eu consegui foram R$ 5 mil de uma conta-corrente da Axcel que conseguimos bloquear. É o famoso “ganha mas não leva”, uma constante nos processos de dívida no Brasil.

Clarificação: Perguntaram-me como o valor devido foi tão alto. Bem, aqueles que me perguntaram isso, provavelmente, fizeram uma leitura dinâmica no texto e não se atentaram aos detalhes. O valor total, hoje (2021) em torno de R$ 10 milhões, inclui juros e correção monetária sobre o valor apurado pela perícia, de R$ 1,3 milhão. E por que este valor estava bem acima do valor original da dívida informado pela Axcel, de R$ 160.000? Como a Axcel se recusou a colaborar com a perícia, o juiz decidiu fazer o cálculo da dívida usando a média do valor dos “royalties” de cada livro, multiplicado o valor encontrado pelo número de meses sem prestação de contas. Isso certamente inflou o valor devido, já que livros, especialmente de informática, têm uma vida útil limitada (só vendem bem durante um certo tempo, pois após um tempo ficam obsoletos), ou seja, o valor apurado pela perícia foi maior do que o valor realmente devido, seguindo instruções dadas pelo juiz. Sem contar que a suspeita que eles imprimiam mais livros do que reportavam é forte. Lembrando que a Axcel não recorreu, portanto ela aceitou esta interpretação.

Pelo valor, fica a enorme suspeita que realmente a Axcel imprimia e vendia mais livros do que reportava a mim, mas isso nunca teremos como provar ou saber de verdade, já que o perito contábil nunca conseguiu ver as notas fiscais das gráficas.

Com o meu processo e o de outras pessoas, conseguimos pelo menos tirar esta empresa do mercado, evitando que ela lesasse outras pessoas.  O problema é que os sócios estão livres, leves e soltos por aí, torrando a grana que roubaram de mim e de tantos outros. Infelizmente, o processo é contra a editora e não contra os sócios. Sinceramente, esperamos um dia conseguir ir criminalmente atrás dos sócios da Axcel Books.

Bem, em linhas gerais, é essa a minha história. Tem muito mais detalhes menores. Por exemplo, quando começamos a batalha judicial, eles pararam de me pagar, mas não pararam de vender os meus livros. É muita cara de pau.

O que eu fico mais triste é que se a Axcel Books fosse correta com os seus autores, todo mundo sairia ganhando, teríamos no mercado brasileiro inúmeros escritores nacionais felizes, leitores mais felizes ainda e os sócios estariam ricos, sem a necessidade de roubarem dinheiro. Mas junta-se ganância com gastos pessoais desenfreados e o resultado é esse. É justamente este tipo de picaretagem que acaba com o Brasil.

Onde estou hoje: Eu ganhei o processo, não cabendo mais recursos. O processo está em fase de execução mas, como a Axcel Books fechou as portas e os sócios estão morando em local não conhecido, não conseguimos notificá-los para o pagamento da dívida. Por isso, se você sabe do paradeiro dos sócios Ricardo Reinprecht e Gisella Narcisi Reinprecht, por favor, avise-me.